Algumas práticas jornalísticas estão a contribuir para a desinformação e a desconfiança no jornalismo, defenderam Miguel Crespo e António Granado, na mesa redonda promovida pelo MediaTrust.Lab sobre “Boas práticas no jornalismo e promoção da confiança”, que decorreu a 18 de junho. Os professores universitários mostraram-se ainda preocupados com a tendência no jornalismo de, sob a justificação de mostrar equilíbrio, dar voz a quem não tem conhecimento sobre os temas.
Miguel Crespo, professor da ISCTE-IUL, começou por ressaltar que “o jornalismo não precisa da desinformação para justificar o problema da confiança”. Os danos estão a ser causados desde dentro, relacionados com algumas práticas.
António Granado, professor da Nova FCSH, o outro convidado deste seminário, evocou “a má informação que tem origem na própria classe jornalística”. “Sinto-me mais preocupado com a contribuição do jornalismo para a desinformação do que sobre a desinformação em geral”.
António Granado alertou ainda para a armadilha em que se transformou a obrigatoriedade de ouvir a outro lado da história, quando o alguém do outro lado não está a contribuir para o entendimento dos fatos. “Aprendemos que é preciso balancear a história e esse balanço faz com que se ouçam pessoas que não têm conhecimento sobre o tema de que estão a opinar e isso confunde os telespectadores. A tentativa de dar um balanço pode criar um não balanço da história”.
“O jornalismo falha muitas vezes por querer dar um equilíbrio e ouvir quem não deveria ser ouvido”, comentou, de seguida, Miguel Crespo. “Durante a pandemia, tivemos todas as questões da pseudociência. Não há outro lado a ouvir, só há o lado da ciência. O jornalismo não pode dar espaço a qualquer louco que possui uma teoria”.
Outro dos problemas do jornalismo é que não está a conseguir diferenciar-se dos outros produtos das redes, alertou Miguel Crespo, também coordenador do IBERIFIER. No que se refere à própria produção, sublinhou a necessidade de lançar notícias, sem que se proceda à verificação. “Se calhar o caminho do jornalismo não é ir atrás da rapidez, porque a rapidez não traz nada de bom ao jornalismo. É preciso dar notícias quando são relevantes. É preciso dar 100 notícias por hora? Se calhar é mais interessante dar cinco notícias por hora”. António Granado lembrou que quando era jornalista deixou de publicar muitas histórias precisamente porque não as conseguiu verificar a ponto de ter segurança na informação.
Entre os outros moldes de informação incorreta está a colagem ao interesse das fontes. “Quando o jornalismo se coloca na mão das fontes, sem garantir que a informação é correta, está a contribuir para a desinformação”, disse Granado. A este respeito revelou a conclusão retirada por um aluno de mestrado, que descobriu, depois de analisar um conjunto vasto de notícias sobre transferências de jogadores de futebol, que apenas um terço dos negócios se veio a verificar, foi fechado. Perguntou então: a quem foram úteis aquelas notícias? Terão promovido os jogadores, o negócio?